Raniere Pontes de Souza*

“Acredito que para podermos intervir em um processo de desenvolvimento social é necessário, mais do que conhecer, compreender de forma comprometida. É necessário desenvolver com o grupo com o qual se vai atuar uma postura generosa e aberta, que propicie um mútuo acolhimento para que, juntos, facilitador e grupo, componham um trabalho”

O presente texto tem por finalidade discutir o papel do facilitador em processos de desenvolvimento social.

Por vezes, durante a minha prática profissional, fui confrontado com a necessidade de assumir esse ou aquele papel, de agir dessa ou daquela forma, segundo os mais precisos argumentos técnicos, o que me incomodava – e ainda incomoda – muito.

Por isso, para amadurecer minha prática, continuamente me faço perguntas como: Qual o papel de um facilitador?; Quais são suas qualidades e que posturas deve ter?; O que se espera desse profissional?

Ao facilitador de processos de desenvolvimento social cabe a tarefa de compreender os sentimentos do grupo com o qual trabalha, aceitá-los e construir a partir deles.

Esta é uma das maneiras de garantir a legitimidade dos processos de intervenção em desenvolvimento social.

Uma atitude de profundo compromisso e respeito se manifesta a partir da aceitação do outro como um indivíduo que tem o direito de ser e pensar diferente do próprio facilitador e de seus pares no grupo.

Criando um ambiente em que cada um se sinta livre para falar e pensar de forma diferente, o facilitador ajuda o grupo a desenvolver, também, essa atitude, essencial para que o grupo, como ser coletivo, expresse suas vontades e desejos de realizar.

Propiciar que nesse ambiente os distintos atores tenham possibilidade de trazer respostas ainda não acabadas – quase “projetos de respostas” – contribui para que todos se sintam autores da “resposta” formulada pelo grupo.

FACILITADOR, SEMPRE QUESTIONADOR

“Nada é mais perigoso que falar e ter razão. É preciso idolatrar o silêncio e a dúvida.”
Todorov
“O exercício do silêncio é tão importante quanto a prática da palavra.”
William James

No Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa2 encontramos a definição de facilitador como aquele que quer ou pretende facilitar algo ou alguma coisa. Fazendo um exercício de olhar para essa definição sob outra perspectiva, podemos ressignificá-la. O facilitador pode, por exemplo, ajudar o grupo a compreender a complexidade dos processos em que está envolvido, construindo um ambiente de dúvida, ou de aparente ausência de resposta, o que torna o processo em oportunidade de aprendizado.

Na facilitação, o espaço da dúvida é extremamente valioso, pois nele há possibilidade do grupo se debruçar sobre as questões que permeiam a situação com a qual se defronta de forma investigativa. O importante é saber fazer as perguntas certas. A resposta pronta, nesse caso, limita e empobrece a criação de alternativas.

Neste momento, o silêncio é também um fator primordial e a ele deve ser dado o devido tempo, para que as pessoas possam processar as perguntas feitas frente à questão principal.

Saber formular as questões certas é uma arte. Dominar essa arte é uma magia que todo ser humano deveria buscar. Deveríamos nos preocupar mais em descobrir quais são as perguntas realmente importantes, do que ficar em uma interminável verborréia.

PAPÉIS DE UM FACILITADOR
Alguns papéis podem ser observados de acordo com a postura que o facilitador assume em diferentes momentos. Ele pode ser aquele que aprende, aquele que ensina ou aquele que media os diferentes conhecimentos, colocando-se como um indivíduo atuante, ouvinte, como alguém que está prestes a aprender a partir da observação da experiência. Só então está na posição de poder interagir em um processo.

FACILITADOR – PARTICIPANTE
Aqui o facilitador se coloca como aquele que se importa com aquilo que o grupo está vivenciando, como aquele que estabelece uma relação sincera. O exercício mais difícil nesse momento é reconhecer o saber desse grupo, já que no grupo existe uma sabedoria, uma vivência pela qual o facilitador não passou. Isso o habilita a perguntar ao grupo o que está se movendo entre eles, que movimento está permeando aquela situação, qual seria o movimento natural que aquele grupo necessita empreender.

É uma compreensão empática, o que é mais do que simplesmente entender: é investigar a fundo, é realmente se colocar como pertencente a este momento e a esse grupo sem, no entanto, tomar para si a responsabilidade da resposta, da solução. Essas provêm da reflexão-ação-reflexão de todo o grupo. Fazer parte da solução é desenvolver empatia tamanha que o leve a compreender aquilo que vive no grupo, o modo como o outro percebe os acontecimentos e como expressa suas idéias e seus sentimentos.

FACILITADOR – APRENDIZ
Facilitar um processo é ter a capacidade de se colocar como parte dele, ou seja, não existe possibilidade de interagir em um processo se não nos reconhecermos como parte dele.

O facilitador aprendiz é aquele que não traz as repostas prontas, mas prima pela troca de experiências, histórias, vivências e reflexões que cada um traz ao grupo.

O papel de facilitador vai além daquele de ensinar: é mais do que transmitir conhecimentos. Ele não está fora do processo; ao contrário, se coloca, se enxerga, se dispõe como alguém que também está aprendendo com o processo. E com isso o facilitador-aprendiz reaprende a sua própria prática a cada encontro.

FACILITADOR – EDUCADOR

“Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina.”
Cora Coralina

O facilitador é um educador dentro do conceito construtivista: na verdade, mais que um papel, trata-se de uma postura. Uma de suas atribuições é ajudar o grupo a perceber e compreender os diferentes elementos que compõem o movimento do grupo. Para que as pessoas que participam de um processo de intervenção possam aprender é necessário que o profissional assuma uma postura de um facilitador do processo de aprendizado e não de um “professor” que simplesmente transfere o seu conhecimento.

Essa prática estimula o grupo a buscar o autoconhecimento e a abrir-se ao conhecimento externo. Acredito na relevância do grupo identificar as suas qualidades e características individuais e coletivas, pois elas são a mola propulsora que dá vida à organização da qual faz parte.

Carl Rogers diz que o facilitador é como um mestre que estabelece um clima positivo construído coletivamente pelos laços de confiança em relação ao grupo e a cada pessoa que o compõe. E, ser um facilitador, é reconhecer-se dentro do processo e reconhecer as próprias limitações. É ser, no momento da facilitação, ele mesmo, ente que faz a diferença dentro do grupo. Muito diverso de ser aquele que concentra o saber, o facilitador reconhece que o saber está adormecido no grupo e atua como aquele que toca uma trombeta para acordar um exército, despertando o saber do grupo.


FACILITADOR – MEDIADOR

O facilitador-mediador é aquele que estabelece pontes entre os saberes e vivências do grupo e os saberes externos, como as diferentes teorias e técnicas desenvolvidas pela humanidade. Ele aproveita e aproxima as histórias e experiências de outros grupos, por diversos meios como os estudos de caso, tornando-se um catalisador de idéias e ajudando o grupo a tecer e a ampliar a sua rede de conhecimento.

A PRIORIDADE DO PROCESSO
A facilitação de processos de desenvolvimento deve prezar prioritariamente as qualidades das relações interpessoais e pela promoção da confiança mútua entre o profissional e o grupo. Por isso, o facilitador é um elemento fundamental para garantir a coesão do grupo e do processo que está conduzindo.

Nesse sentido, o facilitador é aquele que ajuda o grupo a enxergar o movimento que permeia o processo, a perceber o fio condutor da situação.

Ele, então, se assemelha àquele que prepara uma mesa e convida cada participante a trazer seus saberes e sabores para que, juntos, componham um banquete. Nessa mesa nesse momento, todos os pratos são pratos principais e merecem ser degustados com prazer, coletivamente.

CONCLUINDO
Ser facilitador de processos de desenvolvimento é mais do que ser alguém em que se percebe uma soma aleatória de qualidades e habilidades. Tornar-se um facilitador requer o exercício contínuo e consciente de conciliação dessas diferentes qualidades e a coragem de reconhecer e superar as próprias limitações. Exige que se articule coerência, eficiência e gentileza, sem o que é pouco provável que se dê conta da complexidade envolvida em qualquer processo de desenvolvimento individual (inclusive o do próprio facilitador) e do grupo.

O facilitador estará desempenhando em profundidade o seu papel ao promover a aproximação dos envolvidos, a redução dos ruídos na comunicação, a clarificação das idéias e a diminuição das ambigüidades.

Com isso é potencializado o que há de mais profundo nos seres humanos: os sentimentos e desejos, tornados propulsores de ações concretas para mudança e transformação social.

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1 – Este texto é o fruto de reflexões realizadas durante um ano, junto a outros profissionais e facilitadores. A intenção não é esgotar o assunto e nem apontar respostas exatas, mas compartilhar e gerar novas reflexões.

2- Ferreira, Aurélio. Novo dicionário da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Nova Fronteira, 1999. p. 751

* Raniere Pontes de Sousa, 29 anos, é Pedagogo e Gestor de Organizações do Terceiro Setor, atua há quase 10 anos como assessor técnico de projetos sociais na ONG Visão Mundial, e trabalha no Terceiro Setor há 14 anos.

Participou da primeira edição do Programa Profissão Desenvolvimento realizado pelo instituto Fonte em 2004-220

2 respostas

  1. Exclarecedor! ajuda muito nossa função, que é importante mais pouco conteudo se acha sobre !

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